Era uma pacata rua de periferia como outra qualquer. Crianças
brincando pela rua, jogando bola, amarelinha, pião, bolinha de gude,
pipa, enfim todas aquelas delícias de brincadeiras da infância.
Havia nesta rua uma família no mínimo excêntrica. A mãe, Dona Zilda,
um amor de pessoa, ajudou muito minha mãe nos dias difíceis. Ela fazia
a feira para sua casa e sempre levava umas coisinhas pra minha mãe.
Fazia bolos confeitados , coloridos, com aquelas pedrinhas de açucar
que pareciam vidro. Eu adorava.
Ela teve três filhos, assim como a minha mãe, só que os dela eram
todos homens. Eles tinham nomes bem diferentes: Newton, Shalton e
Washington, que para a molecada da rua se transformaram em Nilton,
Joaquinzinho e Chitão.
Eram bons meninos, mas muito tristes. Apesar de todo o carinho que
recebiam de sua mãe, seu pai, Seu Joaquim, aquele homem gordo e
bigodudo, era muito bravo. Não permitia que seus filhos brincassem na
rua. Lembro-me bem de suas carinhas na grade do portão nos espiando as
brincadeiras. Eu morria de dó e muitas vezes ficava do outro lado
brincando com eles.
Às vezes, dona Zilda corria o risco desafiando o marido e soltava os
meninos na rua , antes que ele chegasse do trabalho. Era uma alegria
para aqueles meninos; eles queriam correr, queriam aproveitar cada
minuto.
Todas as crianças da rua tinham medo do Seu Joaquim. Ele tinha um
vozeirão de arrepiar, tinha um bigode que parecia o do Zorro, mas a
barriga o fazia parecer o sargento Garcia. Nós o chamávamos de "O
gordo".
Quando jogávamos bola e ela caía no seu quintal, tínhamos que torcer
pra ele não a achar antes dos meninos, do contrário, lá se ía mais uma
bola. Ele passava a faca e devolvia pra rua, quanta maldade!
Para a maioria das crianças da rua, entrar naquela casa era um
desafio. Num bairro de periferia, geralmente as crianças tomam conta,
invadem as casas dos amigos, comem pão, bolo, o que tiver pela frente.
Naquela casa isso não acontecia. Eu era uma exceção: Dona Zilda me
adorava, dizia que eu ia me casar com o caçula, o Joaquinzinho
(Shalton), ela fazia coisas deliciosas e eu a ajudava a varrer a casa.
Todas as crianças me rodeavam pra saber o que eu estava fazendo lá
dentro da casa do Gordo.
Havia uma época do ano em que as crianças podiam entrar lá. Não me
recordo em que mês, acho que na época do calor, apareciam as
tanajuras, conhecida por alguns como Içá. Seu Joaquim adorava comer
bunda de tanajura frita, que nojo!
Como ele era muito gordo, tinha dificuldades pra pegá-las, então ele
pagava pra molecada pegar. Cada um arrumava uma latinha vazia e saia
pela rua, pegando tanajura, mas tinha que ser daquelas bem bundudas.
Para nós, crianças, era uma festa. Além da farra atrás dos bichinhos,
ganhávamos umas moedinhas e ainda por cima tínhamos a chance de entrar
na casa do Gordo.
No final, ele fritava as bundas das tanajuras e comia com farinha.
Aquele cheiro se espalhava por toda a vizinhança, era horrível.
Dona Zilda morreu muito nova, 33 anos, de derrame. Foi uma tristeza
danada, me lembro de ter sido meu primeiro contato com a dor da morte.
Seu Joaquim se casou logo, já tinha outra esposa na manga e os meninos
ficaram ainda mais tristes.
Esta é uma das histórias da minha infãncia. Poucas vezes depois disso
senti o cheiro de bunda de tanajura frita, nem sei se elas ainda
existem, mas é um cheiro que se eu sentir em qualquer lugar vou saber
identificar.
brincando pela rua, jogando bola, amarelinha, pião, bolinha de gude,
pipa, enfim todas aquelas delícias de brincadeiras da infância.
Havia nesta rua uma família no mínimo excêntrica. A mãe, Dona Zilda,
um amor de pessoa, ajudou muito minha mãe nos dias difíceis. Ela fazia
a feira para sua casa e sempre levava umas coisinhas pra minha mãe.
Fazia bolos confeitados , coloridos, com aquelas pedrinhas de açucar
que pareciam vidro. Eu adorava.
Ela teve três filhos, assim como a minha mãe, só que os dela eram
todos homens. Eles tinham nomes bem diferentes: Newton, Shalton e
Washington, que para a molecada da rua se transformaram em Nilton,
Joaquinzinho e Chitão.
Eram bons meninos, mas muito tristes. Apesar de todo o carinho que
recebiam de sua mãe, seu pai, Seu Joaquim, aquele homem gordo e
bigodudo, era muito bravo. Não permitia que seus filhos brincassem na
rua. Lembro-me bem de suas carinhas na grade do portão nos espiando as
brincadeiras. Eu morria de dó e muitas vezes ficava do outro lado
brincando com eles.
Às vezes, dona Zilda corria o risco desafiando o marido e soltava os
meninos na rua , antes que ele chegasse do trabalho. Era uma alegria
para aqueles meninos; eles queriam correr, queriam aproveitar cada
minuto.
Todas as crianças da rua tinham medo do Seu Joaquim. Ele tinha um
vozeirão de arrepiar, tinha um bigode que parecia o do Zorro, mas a
barriga o fazia parecer o sargento Garcia. Nós o chamávamos de "O
gordo".
Quando jogávamos bola e ela caía no seu quintal, tínhamos que torcer
pra ele não a achar antes dos meninos, do contrário, lá se ía mais uma
bola. Ele passava a faca e devolvia pra rua, quanta maldade!
Para a maioria das crianças da rua, entrar naquela casa era um
desafio. Num bairro de periferia, geralmente as crianças tomam conta,
invadem as casas dos amigos, comem pão, bolo, o que tiver pela frente.
Naquela casa isso não acontecia. Eu era uma exceção: Dona Zilda me
adorava, dizia que eu ia me casar com o caçula, o Joaquinzinho
(Shalton), ela fazia coisas deliciosas e eu a ajudava a varrer a casa.
Todas as crianças me rodeavam pra saber o que eu estava fazendo lá
dentro da casa do Gordo.
Havia uma época do ano em que as crianças podiam entrar lá. Não me
recordo em que mês, acho que na época do calor, apareciam as
tanajuras, conhecida por alguns como Içá. Seu Joaquim adorava comer
bunda de tanajura frita, que nojo!
Como ele era muito gordo, tinha dificuldades pra pegá-las, então ele
pagava pra molecada pegar. Cada um arrumava uma latinha vazia e saia
pela rua, pegando tanajura, mas tinha que ser daquelas bem bundudas.
Para nós, crianças, era uma festa. Além da farra atrás dos bichinhos,
ganhávamos umas moedinhas e ainda por cima tínhamos a chance de entrar
na casa do Gordo.
No final, ele fritava as bundas das tanajuras e comia com farinha.
Aquele cheiro se espalhava por toda a vizinhança, era horrível.
Dona Zilda morreu muito nova, 33 anos, de derrame. Foi uma tristeza
danada, me lembro de ter sido meu primeiro contato com a dor da morte.
Seu Joaquim se casou logo, já tinha outra esposa na manga e os meninos
ficaram ainda mais tristes.
Esta é uma das histórias da minha infãncia. Poucas vezes depois disso
senti o cheiro de bunda de tanajura frita, nem sei se elas ainda
existem, mas é um cheiro que se eu sentir em qualquer lugar vou saber
identificar.
Por Suzi Aguiar Soares, 24/05/07
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