Dança pela água em missão de PAZ!


Dança, identidade e guerra

"Eu só poderia acreditar num Deus que soubesse dançar!" F. Nietzsche

A Raks el Chark [1]foi popularmente denominada no Brasil como "dança do ventre" por conseqüência dos movimentos de dobradura da moeda no abdômen, imagem que impressionou os latino-americanos e os americanos. Em inglês, “belly dance” (dança do ventre), e, pelos franceses, com muito mais distinção, como “bela dança” (belle danse)[2]. A "dança do leste", ou "dança oriental", tradução do árabe para o português, desenvolveu-se no Brasil muito diferente das autênticas técnicas orientais, misturando samba, bolero, ballet e até lambada, sem a necessária base técnica. Algumas dançarinas, mal-orientadas, chegam a confundir músicas folclóricas e religiosas com músicas de dança. Para os eufóricos leigos, tudo é lindo!

Levam-se em média quinze anos para formar uma dançarina profissional no Oriente Médio. É um dança milenar, registrada em torno de 5.000 a.C., desde o reino da antiga Mesopotâmia. Tem cerca de 3.000 movimentos possíveis de serem executados pelo corpo feminino. Sua base histórica tem origem nas danças beduínas em rituais de homenagem aos ecossistemas habitados pelos povos nômades. Essa história começa por volta de 11.000 a.C., em Jericó-Palestina, quando as beduínas passaram a desenvolver o cultivo agropastoril.

Elas[3] observavam com atenção os répteis – jacarés e crocodilos –, pois, sempre que subiam em cardumes o rio Jordão (e, noutras regiões, o Nilo, o Tigre e o Eufrates), traziam as chuvas que, por sua vez, deixavam húmus nas margens dos rios. Observando que nestas margens crescia o trigo, passaram a manejá-lo, plantando sementes em outras áreas, juntando o húmus como adubo.

Foi assim que as beduínas, com seus companheiros, começaram a desenvolver a agricultura. Estes répteis passaram a ser considerados deuses, uma vez que traziam a mensagem de quando poderiam realizar o manejo do trigo em função das cheias dos rios. Neste período, também desenvolveram a armazenagem do cereal por longos períodos de seca; posteriormente, o Ocidente veio a adotar este sistema. Os graneleiros, hoje também conhecidos como silos, representaram a solução com a preocupação conceituada como "segurança alimentar".


A fertilidade de Gaya - Mãe Terra

Seriam os sete anos de vacas gordas e magras uma preocupação dos nossos ancestrais com a segurança alimentar?

As beduínas podiam, a partir da armazenagem do trigo proporcionada pelo período de semeadura e colheita, realizar o planejamento familiar. Assim sendo, neste período optavam pela gravidez, pois havia a garantia de alimento necessário pelos cinco primeiros anos de vida de suas crianças. Esta decisão, a de ter filhos, de ordem exclusivamente feminina, era compartilhada pelo companheiro em todo ritual de semeadura, plantio e colheita. O planejamento familiar estava intimamente ligado aos ciclos hidrológicos. Água, um bem sagrado que fertiliza a terra e permite que as mulheres decidam sobre sua fertilidade, dando-lhes a opção de terem quantos filhos a terra pudesse alimentar. Água, o sêmen de Allah!

As beduínas, agradecidas, dançavam à beira dos rios de águas doces enquanto realizavam a semeadura e colheita do trigo e cantavam para os deuses. A prosperidade da tribo era determinada pelos ciclos hidrológicos, bem como o equilíbrio entre riquezas naturais e seres humanos. O que ocorreu desde então com a humanidade?

As mulheres perderam a sua relação íntima com os ciclos hidrológicos e, conseqüentemente, entre tantos outros fatores (guerras, doenças, empoderamento), aconteceu o inevitável: desequilíbrio entre riquezas naturais e seres humanos. Hoje, recursos naturais de menos e gente demais.

As danças beduínas aplicadas na oficina "Dança pela água em missão de PAZ" objetivam resgatar a memória ancestral que todas as mulheres possuem das suas relações com o ciclo hidrológico e menstrual por meio dos movimentos executados pelas beduínas quando agradeciam aos deuses pelo presente que lhes traziam de bons ventos, boas águas e boas colheitas.

Estas mulheres construíram mundos riquíssimos como o dos faraós, a matemática, a agricultura, a astrologia, a medicina, o mercado, enfim, os valores culturais, políticos e sociais que são os pilares do Ocidente, ao lado dos seus companheiros, peregrinando pelo mundo árabe, na África, no Leste Europeu e na Ásia.

A verdadeira essência desta dança também navega por outros mares. É, especialmente, para a mulher madura, aquela que viveu todas as alegrias e frustrações do amor, transformando suas experiências de vida afetiva em movimentos. Movimentos somente possíveis com a explosão de sentimentos honestos e sinceros. Sentimentos plenamente cantados e visíveis aos olhos do povo de nossa origem: o árabe.

São necessários muitos anos de audição para captar as constantes alterações rítmicas das músicas orientais, apurado senso do significado do que se está dançando e uma boa dose de conhecimento do que representam os sofrimentos das guerras e os preconceitos na vida do povo árabe[4].

Essencialmente femininas, essas danças podem ser acompanhadas por homens, com movimentos masculinos, destacando-se o tórax, os ombros e os braços. A dançarina deve ser soberana, elegante, manter postura antes, durante e depois da apresentação. Ter simpatia, charme e, principalmente, muita humildade.


Quanto mais experiente a dançarina, mais sucesso faz. A cultura árabe respeita a mulher madura, a exalta e admira. Não discrimina a mulher de idade. Tem preferência pela mais cheinha, do tipo gostosa, matreira e vaidosa. Em casas noturnas, restaurantes e festas árabes é muito comum homens convidarem as mulheres para dançar. É o desafio do homem em provocar a sensualidade da mulher. Um jeito árabe de flerte (paquera), uma vez que os costumes e valores morais da cultura são extremamente rígidos.


O povo árabe é totalmente contra os padrões estéticos do Ocidente, que impõe à mulher ser jovem e magra, tornando a maioria delas infelizes. Isto sim é submissão! Os valores espirituais da cultura abominam a vulgaridade, considerando-a ofensiva. Enaltecem a auto-estima feminina. Exaltam a virilidade masculina com suas músicas e danças de muita sensualidade.

No Brasil, em 1979, as danças étnicas árabes foram introduzidas pela mestra palestina Shahrazad Shahid Sharkid, que então iniciava um trabalho único no mundo, pela Raks el Chark. A meta de seu trabalho era a pesquisa e o estudo minucioso do corpo feminino pelo registro das mutações ocorridas a partir da aplicação de exercícios de sua criação. Há também, no trabalho de Shahrazad, enorme preocupação com a formação de crianças e adolescentes para a dança do ventre, procurando não confundir o trabalho corporal adulto com o infantil, ao respeitar seus espaços e suas mentes, tendo o cuidado de aplicar cronologicamente exercícios de fisioterapia para não provocar o universo infantil com o estímulo prematuro para a vida sexual.

Estas mutações são parte do cuidadoso trabalho de anatomia da mestra artesã, uma escultora de corpos, sempre com a preocupação de estabelecer limites ao corpo, o que não acontece com algumas danças ocidentais, quando, para alcançar a desenvoltura exigida, é necessário provocar contusões, quebrar ossos, forçar tendões, tensionar músculos além do suportável, o que torna cartesiano (reto, linear, quadrado) o corpo feminino, colocando-o em uma moldura onde todas ficam iguais.

Toda dança tem, evidentemente, um cunho sagrado, apesar de o Ocidente se apropriar indevidamente da técnica e da história para vender sexo, impor padrões estéticos e para a exploração do corpo da mulher e infantil, profanando os arquétipos religiosos. O homem sempre desejou aquilo que era de Deus e tenta adquirir, pelo manto da "commoditização erotizada", valores que não lhe pertecem.

Danças folclóricas e de raízes


As "danças folclóricas e de raízes" possuem um poder indiscutível de aglutinação, pois se constituem na manifestação do comportamento cultural, histórico e social dos indivíduos. Refletem em sua construção coreográfica a soberania, o direito a viver dignamente, a cultura e hábitos dos povos das mais diferentes etnias, cores e credos, além de contribuir diretamente, pelo prazer que proporcionam, para a integração e educação de crianças e adolescentes. Estas danças resgatam e elevam a auto-estima.

Portanto, devemos ter muito respeito por estas manifestações, que, por sua importância de trabalho em grupo, são verdadeiros alicerces para o desenvolvimento social. São instrumentos necessários para a formação do caráter cultural e intelectual, além de apurar o senso crítico pela observação e audição como formas de sensilibização.

No artigo do semanário Al-Ahram, o coreógrafo Omar Barghouti discute o significado da cultura e educação na preservação da identidade nacional e o espírito humano ao mesmo tempo. A criatividade e o aprendizado são vitais ao projeto de sobrevivência, argumenta Barghouti, descrevendo como, mesmo sob o cessar fogo, o povo da sua vizinhança de Ramallah precisa de livros, música e jogos. Mesmo nos campos de refugiados, os pais, cujas vidas e posses foram dizimadas, estão preocupados em restaurar as escolas para seus filhos. Mesmo com esta cidade ocupada e destruída, Omar Barghouti mantém sua atuação na dança.

Barghouti põe esses valores num contexto histórico. Os palestinos, forçados a fugir de suas casas em 1948, são assombrados por seu fracasso em resistir, ele diz. Ele explica que esse fracasso é atribuído à "consciência limitada" do tempo, "a qual, nesse contexto, entende-se como uma combinação de ignorância, analfabetismo, falta de aptidões essenciais, como também falta de um sentido claro de identidade. Portanto, cultivar uma tradição de educação e a prática da cultura são a chave para a sobrevivência dos palestinos como um povo: "os palestinos não podem se dar ao luxo de não fazer parte da reabilitação cultural na sua batalha ampla de reconstrução e luta pela emancipação," ele escreve. Neste ensaio comovente, Barghouti nos supre com a imagem da dança como um símbolo da sobrevivência e renovação palestina.

Nossa história sobre as danças étnicas árabes é muito mais longa, mas deixo esta contribuição para a reflexão e conto com todos para acompanharem este resgate da memória ancestral em busca da equidade social, dos valores comunitários e coletivos e da determinação de se construir uma economia justa e equilibrada como foi a dos nossos antepassados, quando a felicidade era pautada por uma "segurança alimentar" ordenada e coordenada pelas forças da natureza, com seus ciclos hidrológicos, ao cultuar a sensualidade como uma dádiva de Deus e exorcizar o erótico profanador e degradador da natureza humana.

Num tempo em que o ser humano fazia parte do ambiente e não o partia ao meio!

AMYRA EL KHALILI é profissional de danças étnicas - Mtb 11872, diretora da Cia El Khalili Arabian Dances, com três décadas de pesquisas sobre ritmos árabe-brasileiros, trabalho pelo qual foi premiada no Brasil e no exterior. É idealizadora da oficina "Dança pela água em missão de PAZ!" realizada com mulheres de diversas comunidades brasileiras. É também economista, fundadora e idealizadora do Projeto BECE (Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais), e co-fundadora do Projeto Portas Abertas: Dois Estados para Dois Povos/Revista Caros Amigos.

O Portas Abertas é um grupo que reúne pessoas das mais diversas origens, entre brasileiros e estrangeiros, árabes e judeus, artistas plásticos, jornalistas, intelectuais de várias áreas, que visa trabalhar as relações humanas de modo a gerar um entendimento para se chegar a uma paz justa e duradoura entre israelenses e palestinos. Seu instrumento de trabalho é a cultura e sua premissa básica e imediata, a idéia de dois estados para dois povos.
Veja o documentário BEIJOS PALESTINOS

Referências
[1] Raks = dança Charq = leste, oriente. Charqi = oriental , portanto, Raqsa Ach-Charq (ou Ash-Sharq) é Dança do Oriente, Dança do Leste; Raqsa Charqyi = Dança Oriental. Raqsa Ash-Sharq é a pronuncia correta sendo Raqsa Al Sharq, para os egípcios e Raqsa Charkyi para os libaneses. Agradecimentos a Carlos Tebecherani Haddad, professor e pesquisador do idioma árabe da Universidade Católica de Santos (SP).

2 Belle Danse em francês = bela dança e Belly Dance em inglês = dança do ventre.
3 São consideradas semitas todas as tribos beduínas, incluindo-se a etnia hebraica, cuja religião é o judaísmo. Com a migração destas tribos nômades entre outras que se miscigenaram, originam-se os ciganos do Ocidente; com a perseguição dos hebreus no Oriente Médio, advém a expressão "judeu errante", ou seja, refere-se aos judeus que partem em busca de uma terra, uma nação. (Lactho Drom – Michele Ray-Gravas. La Musique des tsiganes du monde de l’Inde a l ‘Espagne).
4 O histórico das tribos beduínas está registrado na cultura oral. Encontram-se narrativas em suas músicas, nas danças, nos contos que passam de pais para filhos, nos livros sagrados como O Alcorão, nas escrituras Baha’i, na Bíblia, no Talmut etc.; encontram-se também nos poemas de Rumi, Gibran Kalil Gibran, entre outros poetas árabes e persas. Os cantos beduínos enaltecem o meio ambiente e a mulher; relatam o amor do povo nômade pelos ecossistemas desérticos e suas paixões. A cantora egípcia Om Kalthoun expressou com toda essência de sua belíssima voz a história desses povos que encantam o mundo por sua passividade, benevolência e profunda sabedoria milenar. Om Kalthoun morreu cultuada como a "Mãe do Egito". Uma feminista amada e respeitada. Jamais conseguiram fazer-lhe calar a voz!




AS DUAS JÓIAS

Narra antiga lenda árabe, que um rabino, religioso dedicado, vivia muito feliz com sua família.

Esposa admirável e dois filhos queridos.

Certa vez, por imperativos da religião, o rabino empreendeu longa viagem ausentando-se do lar por vários dias.

No período em que estava ausente, um grave acidente provocou a morte dos dois filhos amados.A mãezinha sentiu o coração dilacerado de dor.




No entanto, por ser uma mulher forte, sustentada pela fé e pela confiança em Deus, suportou o choque com bravura.

Todavia, uma preocupação lhe vinha a mente: como dar ao esposo a triste notícia?Sabendo-o portador de insuficiência cardíaca, temia que não suportasse tamanha comoção.

Lembrou-se de fazer uma prece. Rogou a Deus auxílio para resolver a difícil questão.

Alguns dias depois, num final de tarde, o rabino retornou ao lar.

Abraçou longamente a esposa e perguntou pelos filhos...

Ela pediu para que não se preocupasse.

Que tomasse o seu banho, e logo depois ela lhe falaria dos moços. Alguns minutos depois estavam ambos sentados a mesa.

Ela lhe perguntou sobre a viagem, e logo ele perguntou novamente pelos filhos.

A esposa, numa atitude um tanto embaraçada, respondeu ao marido:

- Deixe os filhos. Primeiro quero que me ajude a resolver um problema queconsidero grave.

O marido, já um pouco preocupado perguntou:

- O que aconteceu? Notei você abatida ! Fale ! Resolveremos juntos, com a ajuda de Deus.

- Enquanto você esteve ausente, um amigo nosso visitou-me e deixou duas jóias de valor incalculável, para que as guardasse. São jóias muito preciosas! Jamais vi algo tão belo! O problema é esse ! Ele vem buscá-las e eu não estou disposta a devolvê-las, pois já me afeiçoei a elas. O que você me diz?

- Ora mulher! Não estou entendendo o seu comportamento! Você nunca cultivou vaidades!... Por que isso agora?

- É que nunca havia visto jóias assim! São maravilhosas!

- Podem até ser, mas não lhe pertencem! Terá que devolvê-las.

- Mas eu não consigo aceitar a idéia de perdê-las!

E o rabino respondeu com firmeza: ninguém perde o que não possui. Retê-las equivaleria a roubo!

- Vamos devolvê-las, eu a ajudarei. Faremos isso juntos, hoje mesmo.

- Pois bem, meu querido, seja feita a sua vontade. O tesouro será devolvido. Na verdade isso já foi feito. As jóias preciosas eram nossos filhos.

- Deus os confiou a nossa guarda, e durante a sua viagem veio buscá-los.

Eles se foram...

O rabino compreendeu a mensagem.

Abraçou a esposa, e juntos derramaram muitas lágrimas.

O conto é um meio para operar magicamente o mundo


Há muitos e muitos anos, quando as estrelas ficavam bem pertinho da terra, os saberes dos grupos primitivos eram repassados àqueles que estivessem prontos para ser iniciados por intermédio de determinados mitos e histórias escolhidos pelo orador do clã. Naquele tempo, a narrativa também fazia parte do cerimonial de iniciação e estava vinculado à pessoa que possuía os contos como amuleto: o conto é uma espécie de amuleto verbal, um meio para operar magicamente o mundo. A tradição oral, como ato de falar, resgata o melhor das velhas tradições e os aspectos mais basicamente humanizadores da convivência. A oralidade envolve o corpo que fala, por isso é mais sensual que a escrita; talvez tenha sido por isso que todas as tradições tenham dado um valor fascinante às realizações da voz. O outro ingrediente das manifestações orais é a face a face.


Vimos que no princípio, “Falar” (narrar) era tudo, até que os tempos ensinaram que muitas palavras o vento leva. Apesar da importância e reconhecimento do poder da narrativa, tornou-se mister registrar esses eventos preciosos e com isso até prender as histórias ao papel, até porque não se tratava de qualquer palavra, não se tratava de qualquer história. Ao que parece outra necessidade intrínseca do homem é deixar a sua marca, é contar a sua história através da grafia, dos desenhos, da dança, das imagens simbólicas.

Fonte: Contar Histórias, de Alessandra Giordano, editora Artes Médicas
Foto: Marlene Bergamo, Quilombo Cafundó

O Alfaiate Desatento


Era uma vez, a menos de mil quilômetros daqui, um alfaiate viúvo que vivia com a filha pequena... Apesar de ser um ótimo artesão, era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas.

Assim, costumava sair à rua com a mesma roupa velha, todas esfarrapadas, que usava o dia in­teiro dentro de casa.



As pessoas comentavam: "Um homem que anda tão mal vestido, não pode ser um profissional competente. Esse alfaiate não deve ser bom".

Os comentários se espalhavam, e ninguém mais encomendava roupas para o alfaiate, que foi ficando pobre. Um dia, sua filha disse: "Pai, não temos quase nada para comer. O senhor precisa fazer alguma coisa, senão vamos morrer de fome".

O alfaiate foi até' o sótão da casa, onde fazia muito tempo guardava coisas que considerava sem utilidade. Ao remexer nas pilhas empoeiradas, descobriu que entre elas havia objetos de valor. Ele nem se lembrava mais quando os tinha posto ali, nem por quê. Juntou uma porção desses objetos num carrinho e foi vendê-los no mercado da cidade. Com o dinheiro que recebeu, comprou comidas deliciosas para ele e para sua filha.


No caminho de volta para casa ele viu, pendurado na porta de uma tenda, um tecido magnífico, como nunca ti­nha visto. Era inteiro bordado com fios de todas as cores do arco-íris, formando várias figuras distintas. Nele também havia padrões ornamentais com fios de ouro e prata entrelaçados que brilhavam à luz do sol. O alfaiate, maravilhado, resolveu comprar aquele tecido com o dinheiro que havia sobrado.
Assim que chegou em casa, esticou o tecido sobre a mesa,
pensou um pouco, e depois cortou e costurou um belíssimo manto que quase arrastava no chão

Quando saiu à rua com aquele manto, as pessoas o rodearam e perguntaram:


- Onde foi que você comprou este manto? No Orien­te, na ilha de J ava?
- Não - respondeu o alfaiate. - Eu mesmo o fiz.
- Então, nós também queremos um manto lindo como este.

E foram levar tecidos para ele, formando uma fila à porta de sua casa. Eram tantas pessoas, e tantos mantos eles fez, que acabou ficando rico.
Mas ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Ele não tirava seu manto: costurava com ele, fazia comida, cuidava do jardim.

Passou-se muito, muito tempo. O manto ficou velho e estragado. As pessoas, vendo-o tão mal vestido na rua, começaram a achar que ele não devia ser um bom profis­sional. E deixaram de fazer encomendas. E ele ficou pobre outra vez.

Certo dia, não tendo nada para fazer, o alfaiate ficou observando o manto e descobriu que ainda havia um pedaço do tecido que não estava estragado. Pôs o manto sobre a mesa, cortou as partes rasgadas, desmanchou as cos­turas, pensou um pouco e fez um lindo casaco, com uma gola enorme.

Quando saiu com o casaco, as pessoas queriam saber: - Onde foi que você comprou este casaco? Na Aus­trália, no pólo norte?



- Não, eu mesmo o fiz.

E foram tantas encomendas de casacos, que o alfaiate ficou rico outra vez.
Mas continuava sendo aquele homem que não prestava atenção em algumas coisas. A qualquer tipo de comemo­ração - casamento, batizado, enterro, festa de aniversário -lá ia ele com o casaco.

Passou-se muito, muito tempo. E o casaco ficou todo esburacado, cheio de manchas. Ninguém mais fazia en­comendas. Ele ficou pobre. Percebendo que o casaco ainda tinha um pedaço bom de tecido, o alfaiate o desmanchou e fez um colete tão lindo que todos na rua lhe perguntavam:


- Onde foi que você comprou este colete? No Afe­ganistão? Na Terra do Fogo?
- Não, eu mesmo o fiz.


E com tantas encomendas de coletes, o alfaiate ficou rico. Mas, não sei se já lhes contei, ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Não tirava o colete para nada, nem mesmo para tomar banho.


Passou-se muito, muito tempo. E o colete ficou em petição de miséria. Pobre mais uma vez, o alfaiate aproveitou o pequeno pedaço de tecido do colete que ainda estava per­feito e sabem o que ele fez? Uma gravata-borboleta. Mas não era uma gravata qualquer. Era tão linda e brilhava tanto, que todos queriam gravatas como aquela.


Depois de muito trabalhar, ele acabou ficando rico. E não deixava de ser aquela pessoa que Não P... A... em A ... Coisas. Nem para dormir ele tirava a gravata.
Passou-se muito, muito tempo. E a gravata ficou torta, ensebada, irreconhecível. O alfaiate ficou pobre 0:-rtra vez, já que ninguém mais lhe fez encomendas.


(Não se preocupem, o conto já está chegando ao fim.)


O alfaiate ainda descobriu na gravata um pedacinho de tecido que podia servir para alguma coisa. E então fez um superutrabelíssimo botão, bem redondo, que costurou na sua roupa velha, no meio do peito. Ninguém notava os farrapos que ele vestia; o botão era tão brilhante e magnífico que todos queriam botões como aquele. E tantos ele fez, que ficou rico.
Mas continuava sendo aquela pessoa que N Prestava A em A C. Por muito, muito tempo. E ele foi pobre.
Desmanchou o botão e ainda sobrou um pedacinho de tecido bem pequenininho, que conservava intactos alguns padrões de fios dourados e prateados, entremeados com to­das as cores do arco-íris, que brilhavam intensamente.


O que o alfaiate fez com aquele pedaço minúsculo que sobrou do magnífico
tecido?

Pois o contador de histórias que narrou este conto para mim disse que cada um de nós é que tinha que inventar no que o alfaiate transformou aquele paninho precioso, porque esta é uma história que continua com cada um.
Existem muitas formas de contar a história desse alfaiate.
É por causa dele e do seu botão que este conto sempre foi ­lembrado e continuará sendo contado para sempre, noite e dia, em qualquer lugar do mundo onde haja gente.
Porque sempre vão existir pessoas que não prestam atenção em algumas coisas.
E sempre vão existir coisas que guardam seu brilho num lugar cada vez menor e mais profundo.



LANÇAMENTO DO LIVRO CADERNOS NEGROS VOLUME 31 - POEMAS AFRO-BRASILEIROS



DIA 18 DE DEZEMBRO DE 2008
ÀS 19H30
LOCAL: FACULDADE DAS AMÉRICAS
R. AUGUSTA, 973 (a três quadras do metrô Consolação)


Autores:Ademiro Alves (Sacolinha), Claudia Walleska, CutiDirce Pereira do Prado, Edson Robson, Elio FerreiraEsmeralda Ribeiro, Fausto Antônio, Jamu MinkaLuís Carlos de Oliveira, Márcio Barbosa, Mel AdúnMiriam Alves, Mooslim, Rubens Augusto, Ruimar BatistaSergio Ballouk, Sidney de Paula Oliveira, Tico de SouzaPerformance das atrizes Mafalda Pequenino e Luciana Santos.Participações especiais: Helton Fesan e Johnson Light.

Prato do Dia: Pretume – 7 Contos/Meia Porção,
com Cuti e Raphão Alaafin.
Preço de lançamento do livro: R$ 20,00

A Biblioteca de Alexandria


Em tempos longínquos, a grande biblioteca de Alexandria pegou fogo. Apenas um único livro se salvou. Era um livro comum, enfadonho e desinteressante, por isso foi vendido por alguns centavos a um homem pobre que mal sabia ler.

Ora, aquele livro que parecia enfadonho e desinteressante era, com muita probabilidade, o mais valioso livro do mundo, pois na última página estavam rabiscadas, em grandes letras redondas, algumas sentenças que continham o segredo da Pedra de Toque – um pedregulho que podia transformar em ouro puro tudo o que tocasse.

O texto declarava que a preciosa pedrinha jazia em algum lugar da praia do Mar Negro entre milhares de outros pedregulhos exatamente iguais a ela, exceto por um único pormenor: enquanto os pedregulhos eram frios ao toque, ela era quente como se estivesse viva.

O homem pobre alegrou-se com sua boa sorte. Vendeu tudo o que tinha, tomou emprestada uma grande soma em dinheiro que, calculava, o manteria por um ano, e partiu para o Mar Negro. Lá armou uma tenda e iniciou a paciente tarefa de procurar a Pedra do Toque.

Ele trabalhava da seguinte maneira: pegava uma pedrinha; se fosse fria ao toque não a jogava à praia, porque, se o fizesse, acabaria levantando e apalpando a mesma pedra dezenas de vezes. Não, ele a jogava no mar

Todo o dia, por horas a fio, perseverava em sua tarefa: erguia um pedregulho e se lhe parecia frio ao toque o jogava no mar, erguia outro... E assim sucessivamente, num esforço repetitivo e sem fim.

Passou uma semana, um mês, oito meses, dez meses... Todo um ano se passou nesta tarefa. Então, tomou mais dinheiro emprestado e continuou neste empenho, por mais dois anos. Trabalhava ininterruptamente: erguia uma pedrinha, apalpava e, se estava fria, atirava-a ao mar. Hora após hora, dia após dia, semana após semana, Mês após mês, ano após ano, como um autômato. E nada da Pedra de Toque.

Uma tarde ergueu uma pedra e... Ela estava quente ao toque ! Mas a força do hábito era tanta que a lançou ao Mar Negro !

Conto sufista

10/12/08 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Que os povos de todo o mundo possam compor e cantar suas histórias, diferentes e igualmente encantadoras.

Feira Preta vem em dobro em 2008

A cidade de São Paulo será novamente palco de uma das mais tradicionaisfestas da cultura negra brasileira.

A 7ª edição da FEIRA CULTURAL PRETA acontece nos dias 13 e 14 de dezembro, das 12h às 22h, no Palácio das Convenções do Anhembi, com shows da banda colombiana Chocquibtown, do cantor Walmir Borges e de Dona Ivone Lara. Reconhecida por unir música, dança, moda, culinária, literatura, cinema eoutros elementos da cultura negra em um só local, a FEIRA PRETA recebeu nos últimos seis anos mais de 57 mil visitantes. Em 2008, a expectativa é de quecerca de 16 mil pessoas acompanhem as atividades.
O tema desse ano é "Qual o espaço da cultura negra hoje?", com especialparticipação feminina na programação. Artistas plásticas, escritoras,cineastas, religiosas, estilistas e dançarinas, entre outras representantesartísticas, estarão reunidas para celebrar a cultura afro-brasileira em uma verdadeira homenagem à mulher negra. "A estrutura da família afro-brasileiraé matriarcal. São elas que sustentam a maioria dos oito milhões deafro-descendentes que estão na classe média.
Acreditamos que a identidade da mulher negra passa por um processo de redefinição, rompendo barreiras que alimitam a determinados espaços e se redescobrindo como cidadã, contra todosos paradigmas pré-estabelecidos", afirma Adriana Barbosa, idealizadora daFeira Preta.Teatro, rodas de dança interativa e de samba e oficinas de reciclagem, de máscaras africanas, tambores e de hip hop serão algumas das atrações dessa edição. Haverá ainda exposições, sarau literário, mostra de filmes e aula desamba-rock. No palco principal, shows da banda colombiana Chocquibtown, do cantor Walmir Borges e de Dona Ivone Lara.

Interatividade é uma das palavras-chave nesse ano, com o público sendo convidado a se expressar em oficinas, bate-papo, desfiles e manifestações culturais. Na Passarela do Povo, os visitantes é que vão ditar as tendênciasda moda, desfilando com roupas e estilos de penteado próprios. No Palco Alternativo, o espaço estará livre para experiências sonoras e artistas independentes. E no Púlpito da Preta, o microfone ficará aberto para expressão de idéias.Buscando aprofundar a reflexão e discussão sobre empreendedorismo, pela primeira vez a FEIRA PRETA trará uma série de palestras sobre o tema, ligadas ao Programa Qualifica, promovido pela Pretamultimídia. A idéia é darsubsídios no que diz respeito a técnicas de produção, venda e administraçãoe ao aprimoramento do trabalho de empreendedores negros ou que trabalham comprodutos voltados para esse segmento étnico, além de criar uma ponte comgrandes empresários.Confira a programação completa:

SÁBADO, 13 DE DEZEMEBRO

  • Palco da Preta (Hall Viveiro)
  • Mestre de Cerimônia Max (Grupo DMN)
  • Teatro e Sire religioso infantil com as crianças da Associação cultural AfroOgum L' Ade
  • Grande Roda de Danças Interativas com o Grupo Afro Umoja
  • Discotecagem DJs MF e Puff
  • Festa do DJ Hum
  • Show Internacional com a Banda Colombiana Chocquibtown

  • Degustasom Boteco Vila do Samba (Hall Externo)
  • Roda de Samba com os Amigos do João e convidados

  • Oficinas Culturais (Hall Nobre)
  • Oficina de Reciclagem Brinquedoteca Preta Pretinha
  • Oficina de Máscaras Africanas
  • Oficina de Tecido Afros - JaergertonOficina de Hip Hop
  • Oficina de Tambores com o Percussionista Zé Benedito

  • Exposições PermanentesPrêmio Educar pela Igualdade Racial - CEERT
  • Telas do Artista Plásticos Guilherme Scabim
  • Exposição interativa cultural e educativa sobre a religião Nagô (Candomblé)
  • Cultura Livre (atividade interativa)

  • Intervenções Culturais
  • Sarau literário

  • Palco FNAC (Experimentações Sonoras)
  • Performance de DJ + Tambores + Artes Plásticas (Guilherme Scabin)
  • Discotecagem DJ Vivian MarquesIntervenções Eletrocooperativa

  • Sala Reflexão
  • Roda de Conversa sobre Diversidade, Empreendedorismo e Juventude

DOMINGO, 14 DE DEZEMBRO

  • Palco da Preta (Hall Viveiro)
  • Ato Ecumênico Inter-religioso, seguida de intervenção religiosa com ascrianças
  • Discotecagem com Tony Hits e aula de samba-rock com prof. Moskito
  • Intervenção com desfile do público da Feira PretaShow Walmir Borges Show Dona Ivone Lara

  • Escola de Samba Tom Maior
  • Degustasom Boteco Vila do samba (Hall Externo)
    Roda de Samba com os Amigos do João e convidados

  • Oficinas Culturais (Hall Nobre)
  • Oficina de Reciclagem Brinquedoteca Preta Pretinha
  • Oficina de Máscaras AfricanasOficina de Tecido Afros - Jaergerton
  • Oficina de Hip Hop
  • Oficina de Tambores com o Percussionista Zé Benedito

  • Exposições Permanentes
  • Prêmio Educar pela Igualdade Racial - CEERT
  • Telas do Artista Plásticos Guilherme Scabim
  • Exposição interativa cultural e educativa sobre a religião Nagô (Candomblé)
  • Cultura Livre (atividade interativa)

  • Intervenções Culturais
  • Sarau literário Elizandra e Akins
  • Tarde de autógrafos com a cantora Paula Lima

  • Palco FNAC (Experimentações Sonoras)
  • Performance de DJ + Tambores + Artes Plásticas (Guilherme Scabin)
  • Discotecagem com DJ PuffIntervenção Eletrocooperativa

Filmes

  • Zumbi Somos Nós Iyalode - Damas Sociedade
  • Mostra Marco Universal (Parceria Centro Cultural da Espanha)
  • Obras Raras - O Cinema Negro da Década de 70

Serviço

Feira Preta

13 das 13h às 22h e 12 das 12h às 22 de Dezembro no Anhembi

Palácio das Convenções - Anhembi - São Paulo

Telefone (11) 3031-2374 e 8336-1012

Catraca Livre

Universia lança blog Catraca Livre para
disseminar cultura e educação em São Paulo

Parceria entre o Portal, a UNIESP e o jornalista Gilberto Dimenstein,
aproximará os jovens do universo das artes

Transformar a cidade de São Paulo em sala de aula ao ar livre, levando arte, cultura e informação, de forma acessível, a um grande número de pessoas. Esse foi o objetivo do jornalista Gilberto Dimenstein ao lançar, em parceria com a UNIESP (União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo), o site Catraca Livre (www.catracalivre.com.br), que reúne informações sobre entretenimento e eventos culturais a preços populares ou gratuitos.
Dentro de sua linha estratégica de apoio às redes sociais, o Universia firmou parceria com Gilberto Dimenstein e com a UNIESP e lançou em seu portal o blog do Catraca Livre, com o intuito de ser um espaço interativo de divulgação de notícias sobre as atividades culturais da cidade de São Paulo. Além disso, a idéia é que o blog estimule os universitários, para que criem seus próprios espaços de divulgação de informações artísticas e culturais, relacionadas à sua cidade ou universidade, multiplicando a iniciativa por todo o País.

“Para o Universia é muito importante apoiar iniciativas como o Catraca Livre, que dissemina o conhecimento e leva, sem distinção, informações sobre arte, cultura e entretenimento, a todas as classes sociais. O blog Catraca Livre, disponível dentro do portal Universia, será uma importante ferramenta de inclusão”, afirma Alina Correa, Diretora Geral do Universia Brasil.
O jornalista Gilberto Dimenstein acredita na difusão de sua idéia para todos os públicos. “O Catraca Livre é uma forma de jornalismo comunitário para transformar a cidade numa constante experiência de aprendizado para todos. A presença do blog no Universia permitirá que toda essa grande rede de contatos usufrua e divulgue essas informações”, diz.

Para Fernando Costa, Presidente da UNIESP, o Catraca Livre é um projeto inovador. “Essa parceria contribuirá muito para a sociedade. Traremos para a sala de aula da universidade todo o potencial cultural da cidade de São Paulo, inovando na forma de ensinar, com apoio dos nossos docentes”, aponta.

Para conhecer as manifestações culturais na cidade de São Paulo, acesse o blog Catraca Livre no endereço http://blogs.universia.com.br/catracalivre

A cor da escola


Livro resgata as primeiras imagens de professores e alunos negros


Foi estudando para sua tese de doutorado em Educação, concluída na UFRJ, que a pedagoga Maria Lúcia Rodrigues teve a sorte de esbarrar com fotos do fim do século XIX e início do XX, que comprovavam - ao contrário do que pensavam alguns estudiosos - que a inclusão de professores negros nas escolas aconteceu bem antes de 1960. Lúcia não consegue precisar exatamente quando isso de fato ocorreu, mas assegura que tenha sido antes mesmo do fim da escravidão. As imagens guardadas pela pesquisadora ao longo de dez anos foram transformadas no livro "A cor da Escola - Imagens da Primeira República" (Ed.UFMT / Estrelinhas), lançado na última semana.
" Entre 1910 e 1930 ocorreu um processo de branqueamento das posições de prestígio e das salas de aula. "


O exemplar é recheado de 54 fotos raras e inúmeros textos que contam a história dos primeiros professores e alunos negros nas escolas da Primeira República (1889 a 1930), nos estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso. De acordo com Lúcia, naquela época os negros ocupavam cargos de destaque nas escolas públicas - eram diretores, por exemplo - e representavam boa parte do quadro de docentes. Da mesma forma, alunos brancos e negros dividiam a mesma sala de aula, em semelhante proporção.


"- Escrevi diversos artigos sobre o assunto e as pessoas diziam que eu era louca, que os negros só começaram a estudar para ser professor na década de 1960. Então, me senti desafiada a provar aquilo. Demorou dez anos, desde o dia que achei a primeira foto, mas aí está o resultado - comemora Lúcia, que é pesquisadora associada do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, da UFF, e professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)".


Reforma educacional afasta os negros das escolas


Segundo a pesquisadora, mesmo antes do fim da escravidão, o Brasil tinha milhares de negros livres que se preocupavam com a educação de seus filhos ou se destacavam no magistério. No entanto, como comprovam as imagens do livro, eles foram desaparecendo aos poucos, até se tornarem uma pequena minoria nas escolas públicas da época.
- Entre 1910 e 1930 ocorreu um processo de branqueamento das posições de prestígio e das salas de aula. Muitos intelectuais achavam que a solução para o desenvolvimento do Brasil era a imigração da população européia. Então, foram criadas regras para afastar os negros.
As normas fizeram parte de uma reforma educacional brasileira do início do século passado, que no Rio aconteceu em 1927. Pelas regras implementadas, professores com mais de quatro obturações dentárias, sem algum dos dentes, ou não nascidos na cidade do Rio de Janeiro não eram aceitos nas escolas. Além disso, foi criado um programa de estímulo à aposentadoria, conta Lúcia.
- Com os alunos, o processo foi parecido. Eles precisavam preencher um formulário escolar que mais parecia uma ficha médica, que acabava por discriminar os mais pobres, em sua maioria negros.


Cotas contribuem para a formação de uma elite negra, dia Lúcia


O resultado dessa política, a professora acredita, é sentido ainda hoje no reduzido número de negros no magistério - apenas 4,3%, segundo dados do último Censo - e nas universidades. Para resolver o problema, ela se diz a favor da reserva de vagas para estudantes negros, adotada por algumas instituições, entre elas a Uerj.
- Pesquisas já comprovaram que os cotistas não diminuíram a qualidade do ensino dessas universidades. Pelo contrário, eles são os mais esforçados. As políticas afirmativas são essenciais para que criemos uma elite negra no país. Se elas não são a solução definitiva, são pelo menos a temporária - defende.


Marcio Alexandre M. Gualberto
Coordenador Nacional de Política Institucional do
Coletivo de Entidades Negras - CENRede Social Religiosidade Afro-Brasileira -
http://religiaoafro.ning.com/

O Portal de Revistas da USP

A USP oferece, desde o início de novembro, um portal que dá acesso, via internet, ao texto completo das revistas produzidas pela Universidade e credenciadas pelo Programa de Apoio às Publicações Científicas Periódicas da Instituição. Trata-se do Portal de Revistas da USP (www.revistasusp.sibi.usp.br), uma biblioteca eletrônica com acesso gratuito.O Portal de Revistas da USP disponibiliza, inicialmente, o acesso a trinta títulos e prevê a inclusão dos demais títulos já credenciados e outros que irão se somar à medida que atenderem os critérios de credenciamento do programa. Trata-se de uma boa dica para pesquisas e acesso a materiais com informações valiosas. Aproveite!

A CAIXA DE PANDORA



A história que vamos contar passa-se no Olimpo, morada dos deuses, em uma época em que só existiam coisas boas. O céu estava sempre azul, os rios sempre limpos e claros, com peixinhos multicoloridos nadando alegremente. Das árvores frondosas pendiam cachos de frutas doces e deliciosas e as flores, sempre viçosas, enfeitavam o gramado de um verde-turquesa claro. As pessoas viviam felizes e desconheciam doenças e as tristezas próprias dos seres humanos, como inveja, preguiça, medo e intolerância, dentre tantas outras.

No Olimpo, quem reinava era Zeus, rei dos importais, “todo poderoso”, que tinha completo domínio não só sobre os animais e as plantas, mas também sobre todas as pessoas que habitavam a Terra. Até que nasceu Prometeu (que em grego quer dizer “premeditado”), que de todos os Titãs imortais era o mais esperto. Era defensor da humanidade e ensinou aos seres humanos, pobres mortais, o dom do pensamento, muitos ofícios e habilidades, dentre elas o estudo das estrelas e o seu uso para navegação.

Um belo dia Prometeu roubou o fogo do carro do Sol e levou-o para a terra, e depois ensinou a humanidade a usa-lo para se aquecer e cozinhar. Quando Zeus olhou para a Terra e viu o brilho das fogueiras, ficou muito abalado, temendo que, tendo o domínio do fogo, Prometeu viesse também a dominar o Olimpo. Resolveu subjuga-lo antes que fosse tarde demais.

Como a melhor forma de subjugar um homem é uma mulher, ele pediu ajuda para outros deuses, para criarem a mulher perfeita. A primeira chamada foi Afrodite, a deusa da beleza, que contribuiu moldando um rosto delicado enfeitado com olhos infinitamente azuis e cabelos negros e sedosos, e um corpo perfeito recoberto de pele macia.
Apolo deu-lhe voz de mel, bonita e suave.
Hermes, mensageiro dos deuses, tratou de ensinar-lhe como usar a bonita voz para convencer as pessoas.Por último:
Eros, deus do amor, ensinou-lhe técnicas de conquista às quais seria impossível resistir.
Seu nome: Pandora (que significa bem dotada) Aí estava a mais perfeita das mulheres que o Olimpo tinha visto.

No dia em que Pandora saiu para procurar Prometeu, Zeus entregou-lhe uma caixa construída de um material vermelho, brilhante e ao mesmo tempo macio, até então desconhecido. Era adornada com rosetas de ouro e pedras preciosas, mas o principal era que essa caixa, misteriosamente, exercia um encantamento que tornava quase impossível desviar os olhos dela.

E, com ar de seriedade, deu a Pandora as seguintes instruções:

- Sua tarefa é levar esta caixa a Prometeu. Para cumpri-la, não meça esforços. Você foi criada para isso! Somente ele deverá abri-la. Mesmo que isto demore muito, nunca deixe outra pessoa se aproximar da caixa. Somente Prometeu poderá lidar com seu conteúdo.

E lá se foi a insinuante Pandora com sua caixa, espalhando beleza e perfume por onde passava.

Prometeu ficou muito impressionado com a beleza da moça e sua conversa interessante, mas a caixa passou-lhe despercebida. E tampouco passou por sua cabeça a idéia de se encontrarem novamente ou pedi-la em casamento, conforme esperava Zeus.

O tempo foi passando e Prometeu, a julgar pelo seu comportamento e suas falas, havia-se esquecido de Pandora. O mesmo não aconteceu com Epimeteu (que em grego quer dizer o que pensa depois). Este, depois que colocou os olhos em Pandora, nunca mais pôde tira-la de sua cabeça. Sua beleza insinuante era presença constante em seus sonhos. E a misteriosa caixa aguçava a sua curiosidade ao ponto de que daria qualquer coisa para poder simplesmente toca-la.

Como Pandora não conseguia nada com Prometeu, julgou que poderia se aproveitar da paixão que Epimeteu tinha por ela e com ele se casar. Dessa forma teria mais chances de se aproximar do irmão e entregar-lhe a caixa. De qualquer maneira, a sua missão estaria cumprida.

Para colocar seu plano em ação, bastaram alguns olhares e Epimeteu julgou-se o mais feliz dos homens: além de ter a bela mulher que desejava, teria a chance de descobrir o conteúdo da caixa que ela cuidadosamente levava.

Após as bodas, celebradas com grande festa, Epimeteu pediu que Pandora lhe mostrasse a caixa e, nesse momento, ela revelou seu segredo:

- Você não pode abri-la, ela pertence a outra pessoa. Vou guarda-la em um cômodo seguro em nosso palácio, até que chegue o momento de entrega-la ao seu verdadeiro dono, que a abrirá, e assim todos saberemos o que ela contém.

Isto não seria fácil para o curioso rapaz: dia após dia ele parava na porta do quarto onde se encontrava a caixa e lá ficava admirando-a e imaginando o que ela conteria.
Após alguns meses, a ousadia fez com que Epimeteu entrasse no salão para mais de perto admirar os contornos da caixa e seus delicados desenhos, e ficar sonhando com o dia que seu misterioso dono aparecesse e revelasse o seu conteúdo.

- Mas que mal haveria se eu a tocasse? Eu não posso abri-la, mas tocá-la, certamente, eu posso.

E seu próximo passo, foi deleitar-se acariciando o tecido suave que revestia o objeto.

Sem que Pandora percebesse qualquer coisa, o salão que guardava sua caixa passou a ser o aposento preferido do marido, lá ele ficava horas acariciando e conversando baixinho com a caixa. Nos momentos de maior curiosidade ele arriscava abrir um pouquinho, outras vezes a sacudia, tentando escutar seus barulhos, sentir um odor, descobrir pelo menos uma pista.

Certo dia, ao fazer suas manobras costumeiras de revirar e abrir parte da caixa, uma fumaça preta começou a sair dela. Isto fez com que a curiosidade vencesse Epimeteu que, não resistindo mais , finalmente a abriu.

Um estampido ensurdecedor se fez ouvir por todo o palácio, e fez com que as pessoas começassem a chorar de dor. A fumaça que saia da caixa elevava-se grudenta ao teto e, lá chegando, transformava-se em monstros alados, pretos e fétidos, que saíam voando pelas janelas.

Esses pássaros invadiram todo o Olimpo, queimando as árvores e os gramados, fazendo as flores murchar, calando e matando os passarinhos. As pessoas começaram a adoecer e envelhecer. Com raiva umas das outras, passaram a brigar e a se matar entre si..

O que foi que eu fiz? Chorava Epimeteu, sentindo o seu corpo sujo e dolorido. Suas mãos rachadas e ensangüentadas não conseguiam achar a tampa da caixa para fecha-la e fazer parar de sair a maldita fumaça que estava empestando tudo e trazendo todo tipo de desgraça, antes desconhecida no Olimpo.

- Mais prudente seria que eu me matasse, pensou, pois sou o mais desgraçado dos homens e não sei mais o que fazer.
- Após ter devassado campos e pessoas, a fumaça começou a diminuir. No meio das ruínas do Palácio, sobre a lama espessa e gomosa, restava o pobre e arrependido Epimeteu. Finalmente, tudo acabou.
- Quando Epimeteu pôde controlar seus soluços desesperados, ouviu uma batida fraquinha dentro da caixa.
- Não pensou ele, desta vez não me deixarei levar pela curiosidade. Não quero nem saber o que ocorre dentro desta caixa infeliz.
- Toc, toc, toc, por favor, deixe-me sair!
- Que vozinha é essa? Que haverá ainda dentro dessa caixa?
- Toc, toc, toc, por favor, imploro, deixe-me sair. Não poderei fazer mal maior do que aquele que já foi causado!
- É, a voz tem razão, pensou Epimeteu, o que poderá acontecer de pior? E assim pensando, com as mãos trêmulas e ensangüentadas, abriu a caixa, tampando os olhos para não ver novamente a terrível fumaça.

Mas, para a sua surpresa, em lugar da fumaça mal cheirosa ele viu um clarão intenso, de um delicado e suave tom verde. Aos poucos, no interior da fumaça esverdeada, começou a se formar uma figura brilhante. Era uma mulher de expressão bondosa, vestida de esvoaçantes véus verdes e trazendo uma cesta nas mãos. Nela se encontravam minúsculos pacotinhos, também verdes, cada um deles brilhando com uma luz própria.

- Quem é você? Perguntou Epimeteu com a voz ainda trêmula.
- Eu sou a Esperança!
- Esperança, o que é isso?

- É aquela que aparece quando tudo parece desabar à sua volta, quando parece que o mundo vai terminar. É aquela com quem você sempre pode contar.

- Vocês não a conheciam, tinham tudo mas não tinham a esperança. A Caixa de Pandora trouxe a desgraça e a doença, mas junto com tudo isso, acabou trazendo a esperança. Não há mal suficiente para me barrar, eu sempre existirei e aparecerei para recomeçar e acreditar que tudo vai e pode melhorar!

Dizendo isso, ela ofereceu a sua cesta brilhante à Epimeteu e disse:

- Vá, distribua a esperança para seu povo. Estes homens conheceram os tormentos do mal, é hora de se alimentarem e se tornarem fortes para perseguirem novamente a felicidade!

Epimeteu se pôs em pé e seguiu, cheio de esperança, para cumprir as ordens da senhorita de verde.


Fim