Os predadores

Escrever foi tão difícil que valeu uma taça de champanhe

Ex-guerrilheiro, Pepetela passa a limpo a recente história de Angola

(Alvaro Costa e Silva)

Em 2005, ao pôr um ponto final em Os predadores (Lingua Geral, 552 páginas, R$ 45), Antônio Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido pelo pseudônimo de Pepetela (palavra que, em umbundo, uma das línguas de Angola, significa pestana), serviu-se de uma taça de champanhe. Um luxo ao qual o ex-guerrilheiro não é chegado.

– Isso foi uma maneira de dizer que me estava a libertar de qualquer coisa que afinal era dolorosa – conta o escritor. – Uma situação de desigualdade social tão forte como a que se vive em Angola não é fácil para quem lutou por uma sociedade mais justa. Os predadores mostra no que se tornou a nossa sociedade.



O livro acompanha a trajetória de Vladimiro Caposso (uma das especialidades de Pepetela, além da clareza de estilo e construção da narrativa, são os nomes), um sujeito disposto a subir na vida a qualquer custo. Na linha dos romances que passam a limpo a história de Angola – de que são exemplos Mayombe, A geração da utopia e Parábola do cágado velho – Os predadores descortinam os últimos 30 anos do país africano, período da guerra colonial. O protagonista, rapaz modesto do Calulo, filho de enfermeiro que tratava a tropa portuguesa, depressa descobre que sobreviver em Luanda em muito depende do vitorioso MPLA e, por isso, muda o nome de José para o mais revolucionário Vladimiro.


Outro personagem chama-se Nacib porque nasceu na altura em que a televisão angolana transmitia pela primeira vez uma telenovela, Gabriela, baseada no livro de Jorge Amado: 'Estava combinado há muito na família: se nascesse menina se chamaria Gabriela. Nasceu rapaz e ficou Nacib, podia ser de outra maneira?'. Em mais uma das obras do autor – Jaime Bunda: agente secreto, na qual também se investiga a história recente de Angola mas pelas veredas do humor – é descrito o mercado popular Roque Santeiro, o maior a céu aberto que existe no mundo.


– A novela tornou esse nome famoso – explica Pepetela. – A influência do Brasil sobre Angola, e não a podemos restringir apenas à televisão, tem aspectos largamente positivos, mas tem outros que o são menos. Penso que isso acontece sempre com os relacionamentos, quer entre pessoas, quer entre países. Mas dá para notar que se vão reforçando alianças. O aspecto mais importante é que isso permitirá fomentar amizades entre países que falam a mesma língua. Um e outro têm importância crescente nos seus respectivos continentes, também. A influência da televisão toca mais os costumes e os modos de vida. Nesse caso, tem aspectos negativos, por fomentar o consumismo, as modas e modismos, e atitudes estranhas ao que era a vida das pessoas. No entanto, não há como fugir a isso.

Autor de 16 romances (os dois mais recentes, O terrorista de Berkely e O quase fim do mundo, apontam uma guinada na carreira do escritor, pois não se passam em Angola), Pepetela prepara-se para participar da sua primeira Flip: no sábado, divide a mesa Guerra e paz com a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. E avisa: dispensa a champanhe.

Fonte:Jornal do Brasil, 28 jun. 2008. Idéias & Livros.

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