Meio Ambiente, Danças Étnicas Árabes e as Mulheres Beduínas


"Eu só poderia acreditar num Deus que soubesse dançar!"

F. Nietzsche
Por Amyra El Khalili*

A Raks el Chark* foi popularmente denominada no Brasil como "Dança do Ventre" por consequência dos movimentos de dobradura da moeda no abdômen, imagem que impressionou os latinos americanos e foi denominada pelos franceses com muito mais distinção como Belly Danse**. A "Dança do Leste" , ou "Dança Oriental" desenvolveu-se no Brasil muito diferente das autênticas técnicas orientais, misturando samba, bolero, ballet e até lambada, sem a necessária base técnica. Algumas dançarinas mal orientadas chegam a confundir músicas folclóricas e religiosas com músicas de dança, o que para os eufóricos leigos tudo é lindo.

Leva-se em média quinze anos para formar uma dançarina profissional no Oriente Médio. É um dança milenar, registrada entorno de 5.000 a.c., desde o reino da antiga Mesopotâmia, com cerca de 3.000 movimentos possíveis de serem executados pelo corpo humano. Sua base histórica se origina das danças beduínas em rituais de homenagem ao ecossistemas nos quais habitavam os povos nômades. Essa história começa entorno de 11.000 a.C., em Jericó-Palestina, quando as beduínas passaram a desenvolver a agricultura.

Elas*** observavam com atenção os répteis que subiam os rios de águas doces, e com eles, traziam as chuvas que, por sua vez, levavam às margens dos rios o húmus. Observando que nestas margens crescia o trigo, passaram a manejá-los para outras áreas, juntando o húmus, semeando sempre que os répteis – jacarés e crocodilos - subiam em cardumes os rios Jordão e Nilo - noutras regiões, o Tigre e Eufrates.


As beduínas com seus companheiros começaram então a desenvolver a agricultura e tinham estes répteis como deuses que traziam a mensagem de quando poderiam realizar o manejo do trigo em função das cheias dos rios. Neste período, também desenvolveram a armazenagem do trigo por longos períodos de seca, posteriormente o ocidente adotou este sistema - são os silos graneleiros de hoje - e esta preocupação passou a ser conceituada por "segurança alimentar".

A fertilidade é de Gaya (Mãe Terra)!

Seriam os sete anos de vacas gordas e magras, uma preocupação – já antiga – com a segurança alimentar?

As beduínas podiam, a partir da armazenagem do trigo, proporcionada pelo período de semeadura e colheita, realizar o planejamento familiar, assim sendo, neste período, decidiam ter seus filhos, porque garantiam alimento necessário pelos cinco primeiros anos de vida de suas crianças. A decisão da gravidez, de ordem exclusivamente feminina, compartilhada pelo companheiro em todo ritual de semeadura, plantio direto e colheita, estava intimamente ligada aos ciclos hidrológicos. Água, um bem sagrado que fertiliza a terra, e permite que as mulheres decidam sobre sua fertilidade - dando-lhes a opção de terem quantos filhos a terra poderia alimentar. Água, o sêmen de Alláh!

As beduínas agradecidas dançavam a beira dos rios de águas doces enquanto realizavam o manejo do trigo - e cantavam para os deuses. A prosperidade do casal beduíno e de toda a tribo estava determinada pelos ciclos hidrológicos - bem como o equilíbrio entre riquezas naturais e seres humanos.

O que ocorreu então com o passar dos séculos na história da humanidade?

As mulheres perderam a sua relação íntima com os ciclos hidrológicos e conseqüentemente, entre tantas outros fatores, ocorreu o desequilíbrio entre riquezas naturais e seres humanos - hoje: recursos naturais de menos e gente demais.

As danças beduínas aplicadas na oficina "Dança pela Água em Missão de Paz" objetivam resgatar a memória ancestral que todas as mulheres possuem das suas relações com o ciclo hidrológico, através dos movimentos executados pelas beduínas quando agradeciam aos Deuses pelo presente que lhes traziam de bons ventos, boas águas e boas colheitas.

Estas mulheres construíram mundos riquíssimos como o dos faraós, a matemática, agricultura, a astrologia, a medicina, o turismo, enfim os valores culturais que são os pilares do ocidente - e o fizeram ao lado dos seus companheiros - peregrinando pelo mundo árabe, na áfrica, no leste europeu e na Ásia.

A verdadeira essência desta dança navega por outros mares, é para a mulher madura, a mulher completa que viveu todas as alegrias e frustrações do amor, transformando todas as experiências da vida afetiva em movimentos, só possíveis com a explosão de sentimentos honestos e sinceros, sentimentos plenamente cantados e visíveis aos olhos do povo de sua origem: o árabe.

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