Por Micheliny Verunschk
O Brasil é definido por uma festa. Uma ocasião anual que ocupa o calendário por quatro dias consecutivos e à qual o país pertence. Ou não é mesmo isso o que quer dizer o ditado "O Brasil é o país do Carnaval"? Para muitos, no entanto, o Carnaval começa bem antes da data marcada, com semanas ou até meses de antecedência; para outros, ele nunca termina, em preparativos que, às vezes, duram o ano inteiro. Para uns significa glamour, para outros trabalho. De um modo ou de outro, porém, é uma festa que não se faz sozinha e cujas palavras de ordem são coletividade e cooperação.
Quando se pensa nos preparativos do Carnaval brasileiro, a imagem mais recorrente é a do trabalho incessante nos barracões das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, realizado entre toneladas de purpurina, lantejoulas, cola quente e muita empolgação. Mas há carnavais e carnavais, e nem todo preparativo atrai de primeira o nosso olhar curioso. Existem variadas receitas para fazê-lo ao gosto do freguês, algumas temperadas pela precisão e pontualidade, outras pela combustão espontânea, e outras, ainda, pelo inusitado.
Tecnologia e minúcia
Quando nos dias de Carnaval se liga a TV para assistir aos desfiles, uma das pessoas que está por trás do som que se escuta sair do aparelho é Ricardo Machado, 11 anos dedicados ao Carnaval paulistano. Diretor técnico de sonorização no sambódromo há cinco anos, quando ele começou a trabalhar nas festas de Momo a montagem do som na avenida levava cerca de dois meses. Com os avanços tecnológicos de hoje em dia, em menos de um mês e cerca de 10 mil metros de cabo depois, a pista está pronta para ver a alegria passar. "É um trabalho operacional muito grande, minucioso e sistemático. Temos em tese 25 dias para deixar tudo pronto, mas na prática é menos tempo, porque uma semana antes começam os ensaios técnicos das escolas e tudo precisa estar nos eixos", diz.
A equipe na qual trabalha conta com 60 pessoas, entre técnicos, ajudantes, motoristas etc. O ritmo é intenso e a jornada nos dias dos desfiles chega a durar de 10 a 12 horas, respeitando a rotatividade de pessoal. "Isso é um pouco complicado. Ninguém consegue trabalhar por 12 horas seguidas, mas também o revezamento não acontece com a saída de uma turma e a entrada de outra. Eles ocorrem de um desfile para outro, uma equipe cobrindo uma escola, outra cobrindo a próxima e assim por diante", afirma o técnico.
A pressão é maior quando vão se aproximando os dias de desfile. Como se trata de uma competição, tudo tem de estar impecável, mas, é claro, existe a margem de erro humano. Como essa margem não depende das escolas que estão se apresentando, o quesito som não é julgado pela comissão. "Nem todo técnico de som nem toda empresa do ramo estão aptos a fazer um trabalho como esse, que exige, sobretudo, experiência. É como um time de futebol. Quem é veterano tem mais entrosamento e com certeza mais chances de chegar ao gol do que um novato. Nosso trabalho não é avaliado pela comissão julgadora, mas, sim, pelos dirigentes das escolas, pelo público, pelos telespectadores", conclui Machado
Todas as batidas
Quem vai a Pernambuco durante os dias de folia logo aprende que tem festa para todas as exigências, desde o Carnaval de rua, que desce frenético as ladeiras de Olinda, até o de bloco, com suas marchinhas saudosistas, passando pelo mais autêntico rock-and-roll. O responsável por essa faceta roqueira do Carnaval pernambucano é um festival que em 2010 completa 15 anos de existência, o Recbeat.
Mas como surgiu a ideia de fazer um festival alternativo durante o Carnaval? Quem conta é Antonio Gutierrez, produtor e idealizador: "No boom do manguebit, a mídia nacional destacava a nova música pernambucana, que tinha à frente Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, entre outras bandas. O que acontecia na prática era que as pessoas que visitavam Recife imaginavam encontrar essa "nova música" pipocando em todos os lugares, mas na realidade esse som circulava mais em lugares cult da cidade. Percebi, então, que o Carnaval seria uma boa oportunidade de mostrar a produção musical pernambucana ao público de fora, interessado nesse som. Como eu já fazia umas festas no Bairro do Recife, decidi transformar isso num festival durante os dias de folia".
O Recbeat é marcado pela história. Além de bandas do cenário nacional e internacional, grupos como Cordel do Fogo Encantado e F.U.R.T.O. estrearam em seu palco. Nele também ficou marcada a volta da banda Nação Zumbi, em 1999, depois da morte de Chico Science dois anos antes. Para Gutierrez, o Recbeat é pensado o ano inteiro e em sua preparação há pelo menos 30 pessoas envolvidas diretamente e outras 500, contadas entre fornecedores que trabalham com palco, som, iluminação, transporte e hospedagem. Ao todo, são 24 atrações para um público médio estimado entre 8 e 10 mil pessoas.
Mas há 15 anos o produtor colocava a mão na massa praticamente sozinho: "Isso foi um grande aprendizado porque passei a dominar todas as etapas de produção e esse domínio se tornou imprescindível para dirigir o festival e buscar um perfil bem definido para ele, estabelecendo um padrão de qualidade. No início, uma falha minha colocaria tudo a perder. Hoje conto com uma equipe de produção e uma equipe técnica que me dão suporte − o que me permite dedicar-me mais à produção artística, fazendo o que realmente gosto, que é procurar novas atrações, montar a programação, pensar o conceito do festival" conclui.
Até sábado!
Mas Carnaval não se faz somente de exatidão. Faz-se também de camaradagem e acaso. É assim que funcionam os festejos dos blocos de rua país afora. Em Lambari, Minas Gerais, distante cerca de 340 quilômetros da capital mineira, um bloco agita os sábados de Zé Pereira, como é conhecido o primeiro dia da festividade, há 27 anos. Trata-se do Hasta Saturday, que ganhou esse nome, inusitada mistura de espanhol e inglês, em uma roda de amigos que, adolescentes nos longínquos anos 1980, se reuniam para beber escondido dos pais e depois brincar pelas ruas da cidade. Como estudavam fora, geralmente em Belo Horizonte, o sábado de Carnaval era o elemento agregador do grupo.
"No começo eram cinco integrantes. Mas no ano passado havia entre 800 e mil pessoas participando do bloco", avalia Márcio Luiz Castro Pereira, corretor, um dos fundadores. Segundo Pereira, os preparativos da festa não seguem um protocolo rígido: "Geralmente em dezembro, que é mês de férias, voltamos a Lambari. Então nos reunimos para compor o samba do próximo ano. Cada um faz uma parte, monta uma estrofe. Depois começam os ensaios, quase sempre às sextas-feiras. Uma coisa que seguimos sempre é não começar nenhum ensaio antes de cantarmos os temas dos anos anteriores".
Contando com a mesma espontaneidade, o bloco Lira da Vila, surgido na região central de São Paulo em 2008, conta com alguns diferenciais. Seus integrantes preparam-se durante o ano inteiro para os dias de folia com um conceito bem definido: "Mais do que um bloco de Carnaval, o Lira é um movimento de afirmação das nossas raízes culturais". Quem diz é a arquiteta Janaína da Motta Lourenço, uma das fundadoras do grupo. Assim, não é de estranhar que no final de outubro de 2009 o bloco estivesse ligado a uma "sacizada", reunião de sacis, figura do imaginário popular brasileiro. Resultado de oficinas de papel machê, os sacis foram espalhados pelo entorno da biblioteca Monteiro Lobato por crianças sorridentes e suadas que exaltavam a alegria do encontro pulando numa perna só.
A preparação do Lira da Vila acontece da cozinha à internet, passando pelo Bar do Raí, nas imediações da Rua General Jardim, próximo ao Elevado Costa e Silva, o Minhocão. Para que o fogo não apague, uma vez por mês os integrantes se encontram em volta da mesa do bar tocando samba de roda ou ciranda − não importam o ritmo ou a manifestação, o essencial é agregar. Utilizando ferramentas como blog, álbum de fotos na rede, mailing e venda de camisetas para financiar os festejos, o Lira da Vila preza pela independência e pelas fronteiras expandidas. Moradores da Vila Madalena e do Morro do Querosene, só para citar alguns, sempre marcam presença no bloco, que nos festejos de 2008 saiu com cerca de 80 foliões, no ano seguinte com 200 e em 2010 só Deus sabe!
Prazer e satisfação
O Carnaval tem fama de festa fugaz, o que é uma meia-verdade. Sentimentos e emoções ligados aos dias de Momo permanecem em quem se envolve na construção do festejo. Para Ricardo Machado o grande prazer é o processo: "A montagem do sistema é um desafio. Isso é o que me dá mais satisfação". Para Antonio Gutierrez "é ver aquele público imenso extasiado". Para Márcio Pereira o que o move é o reencontro com os amigos, com os afetos: "É perceber que depois de tanto tempo nossa alegria continua pelas ruas da cidade". Janaína da Motta resume: "A satisfação que dá é a mistura, é saber que naqueles dias todos é a mesma gente. Não tem doutor, não tem senhor".
Foto: Divulgação, logomarca do bloco
Bloco Lira da Vila
Vila Buarque - São Paulo - SP
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