Coetzee: os lados polêmico e premiado da literatura sul-africana

Como pensar na literatura de um país que fala e escreve em 11 línguas oficiais? Dá uma sensação de que a identidade se ramifica nas muitas formas de escrita e sotaque... Mas é justamente essa diversidade que dá contorno à identidade tão peculiar que expande riqueza também no campo das letras. Três dos autores sul-africanos mais reconhecidos internacionalmente são J.R.R Tolkien (o escritor de Senhor dos Anéis, que deixou a África do Sul aos três anos de idade para viver na Inglaterra), Nadime Gordimer e JW Coetzee. Os dois últimos ganhadores do Nobel de Literatura.

Descendente de afrikaaners e de língua materna afrikaans, Coetzee (nascido em 1940, oito anos antes da implantação do apartheid) tem no currículo diversos prêmios internacionais, dois deles sendo os troféus Booker Prize (o troféu mais importante da academia Britânica), por Life and Times of Michael K em 1983 e por Disgrace em 1999. Quatro anos após se tornar o primeiro escritor a ganhar duas edições doBooker, ele recebeu o Nobel de Literatura, o que aumentou ainda mais a sua fama. Coetzee é um escritor elogiado e aplaudido em todo o mundo, com uma coleção de 13 famosas obras, sendo três com adaptação para o cinema. Em algumas de suas narrativas, ele revela (sem cerimônia) um retrato sombrio da África do Sul. Essa forma de se apoderar da realidade fez crescer uma antipatia considerável ao escritor no campo político.

O premiado Disgrace, por exemplo, tinha o inquestionável potencial de se tornar uma grande produção cinematográfica, mas não recebeu incentivo local e a literatura só virou sétima arte pelas mãos do norte-americano Steve Jacobs, que lançou o filme em 2008. No livro, os recursos literários amenizam o que a imagem choca com mais intensidade. A história de um professor que abandona a universidade (após o envolvimento com uma aluna) e sai da Cidade do Cabo (terra natal de Coetzee) para viver em uma área rural da África do Sul é cheia de críticas à criminalidade e à prática do estupro, que coloca a África do Sul no topo do ranking dos países onde o crime é mais comum.

É bem nítida a necessidade de Coetzee em expandir a real situação do país em uma época pós-apartheid, e foi essa exposição que fez com que o governo alvejasse de críticas a obra do sul-africano, que relata em detalhes a sua cidade natal e a relação entre brancos e negros. As opiniões de Coetzee que acusavam o governo de negligenciar o crime no país eram rebatidas com o repúdio à obra, especialmente por parte do então presidente Thabo Mbeki (no poder de 1999 a 2008), que foi à imprensa dizer que a África do Sul não era um local de estupro. Por conta da repercussão, o Congresso Nacional Africano (CNA – partido no poder desde 1994) enviou um pedido de investigação à Comissão de Direitos Humanos, acusando o autor de reforçar estereótipos racistas. Assim que Coetzee recebeu o Nobel, a acusação foi esquecida.

O escritor que participou do movimento de vanguarda na literatura anti-apartheid (com pedidos para que o governo abandonasse o regime) é reconhecido também pela sua disciplina (vegetariano que não bebe e nem fuma) e dedicação profissional. Coetzee não vive mais em território sul-africano desde 2002, quando se mudou para Adelaide, Austrália, de onde escreveu sua última obra: Summertime (no Brasil, tradução de Verão), uma autobiografia que também tem como cenário a África do Sul.
 
Natalia Luz

www.jblog.com.br/africadosul.php?itemid=21280
http://www.casadasafricas.org.br/site/index.php?id=noticias&sub=01&id_noticia=961 

Nenhum comentário: